Novela de: Walcyr Carrasco
Baseada no romance Gabriela Cravo e Canela, de Jorge Amado
Direção geral de: Mauro Mendonça Filho
Núcleo: Roberto Talma
ENTREVISTA COM O AUTOR
Walcyr Carrasco é natural de Bernardino de Campos, São Paulo. Morou dos três aos 15 anos em Marília (SP) e logo depois foi para São Paulo, onde reside até hoje. Formou-se em jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da USP. Trabalhou como jornalista nas revistas Veja e Isto É e nos jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e Diário Popular. Ao mesmo tempo, iniciava a carreira de escritor na revista infantil Recreio. Aos 28 anos, publicou seu primeiro livro “Quando meu irmãozinho nasceu”. Viriam depois muitos outros. Entre suas obras voltadas ao público adulto estão a autobiografia “Em busca de um sonho”, “Pequenos delitos”, “Anjo de quatro patas’. Também autor de teatro, recebeu o prêmio Shell de melhor autor por “Êxtase”. Na televisão, é autor também de novelas como “O cravo e a rosa”, “A padroeira”, “Chocolate com Pimenta”, “Sete Pecados”, “Alma Gêmea”, entre outras. Seu último trabalho foi “Morde & Assopra”.
Confira a entrevista divulgada pela assessoria da TV:
Você, em algum momento, disse que só emendou um trabalho no outro só por se tratar de ‘Gabriela’. Isso era um sonho?
Walcyr Carrasco: Sim, sempre foi. Jorge Amado faz parte da minha formação. Li ‘Gabriela’ quando tinha uns 12 anos e reli algumas outras vezes. Era um projeto antigo e logo que acabou “Morde & Assopra” fui para Ilhéus com o Maurinho (Mauro Mendonça Filho) para conceituar a produção.
Dentro de tantas tramas – são mais de 200 personagens - o que mais lhe chama atenção na obra de Jorge Amado, ‘Gabriela, cravo e canela’?
Walcyr Carrasco: A discussão dos costumes. Gabriela vive em um momento de passagem de um mundo convencional para um mundo mais moderno. Jorge Amado assinala isso em duas histórias: Sinhazinha, com um crime de honra sendo punido; e com Gabriela, uma mulher livre, independente que tem prazer, mas não se vende. Ela representa a liberdade sexual em um momento que isso passa a ser discutido no mundo inteiro. Jorge Amado é um autor ligado ao partido comunista. A visão de mundo dele fala da opressão e é um autor que colocou a liberação sexual em primeiro plano. As histórias tiveram inspirações reais.
Acha que essa versão vai causar o rebuliço que Gabriela causou em 1975?
Walcyr Carrasco: O que é maravilhoso em novelas de época é que elas falam de estruturas morais. Hoje em dia não se discute muito a liberação feminina. Mas a questão da liberação sexual da mulher ainda é espantosa, ainda repercute. Hoje as pessoas têm outro discurso, mas no íntimo ainda continuam conservadoras. Espero que tenhamos uma boa repercussão.
SINOPSE
A terra vermelha reflete o sol escaldante do sertão nordestino. Entre as árvores retorcidas, espinhos violentos, animais indesejáveis a qualquer ser humano, o que mais mata é a sede. Seco, o clima é extremamente ingrato, infrutífero. A saliva demora a descer pela garganta rascante. As nuvens brancas não trazem sinal de água, nem uma gota. E a pele resseca e racha como o solo infértil dessa terra. É de lá que vem Gabriela (Juliana Paes). Com cheiro de cravo e cor de canela, seu corpo parece esculpido por mãos nada modestas. Traz a força da natureza no olhar e o balanço do vento no caminhar. É intima daquele lugar, mas não há mais porque cantar. A seca assola a caatinga e Gabriela precisa se retirar.
Perpassa nuvens de poeira, dias e noites marchando pelo sertão. Sem comida, sem bebida, sem acalanto. Na bagagem, um sorriso fácil de quem tem a imensa esperança de uma vida melhor. Seu canto é triste e ainda doce. Guarda na alma o seu amor pela vida. Carrega seu fardo e cuida do seu destino. Ele é seu, de mais ninguém! E assim, Gabriela abraça com coragem o intento de ser feliz. Sua árdua travessia é bem sucedida e, ao chegar a Ilhéus, conhece seu acaso, Nacib (Humberto Martins), o “moço bonito” por quem irá viver uma abrasadora paixão de encontros e desencontros tão profundos quanto o amor de um pelo outro.
Todavia, Gabriela é assim. Está com fome, come. Está com sede, bebe. Não entende porque alguém faz o que não quer. Ela respeita o querer, o do outro e o dela também. É assim, uma força da natureza, meio bicho, meio gente, meio fêmea e totalmente mulher. E o que atrai também afasta. E Nacib não sabe o que fazer com seu amor por Bié, como chama carinhosamente Gabriela.
Ele é um homem da sociedade Ilheense. Ela, uma cozinheira retirante. A flor no cabelo é só para enfeitar, mas quando ela passa, a cidade para para olhar. Ela não tem culpa, mas ele não aguenta. É tanta cobiça...! Tantos convites de coronéis. Vai que um dia ela aceita. Não pode! Vai então casar-se com Gabriela, fazer dela uma dama respeitada na sociedade. Que desencontro! O que Nacib não atina é que “certas flores são belas e perfumadas enquanto estão nos galhos, nos jardins. Levadas pros jarros, mesmo os de prata, ficam murchas e morrem”. Em outras palavras, ao prender um passarinho selvagem existe um risco iminente: um dia, quando você se distrair, ele pode ver a porta aberta e voar.
Essa história de amor se passa no começo do século XX, no interior da Bahia. Nesses tempos, moça boa era moça de família, com destino certo traçado pelo pai. E Gabriela não se enquadra na premissa. Mas é ela, alheia aos costumes da época, que provoca e põe à prova tudo quanto é sentimento humano e questionamento moral: o desejo, o amor, o preconceito, a traição, o ódio, o rancor, o perdão. Inspirada na obra de Jorge Amado, ‘Gabriela’, escrita por Walcyr Carrasco, estreia no dia 19 de junho, com direção de núcleo de Roberto Talma e direção geral de Mauro Mendonça Filho.
A HISTÓRIA DE ILHÉUS NO APOGEU DO CACAU
Ilhéus, 1925. Os coronéis são os grandes mandantes do lugar. Ninguém ousa dar um passo em falso sem ter aprovação de algum deles, mais especificamente, de um deles: Coronel Ramiro Bastos (Antonio Fagundes). Dono de arrobas e arrobas de cacau é o intendente da cidade, mais conhecido como Ramiro Bastos, o jardineiro. A democracia já está em vigor no Brasil, contudo, em Ilhéus, nenhuma pessoa tem coragem de dizer não ao voto para o coronel. O respeito foi conquistado à força, sem dó. Todos acatam o que ele diz , caso contrário, sabe-se que não terá futuro por ali. Ao lado dele, cuidando da moral de Ilhéus, mais coronéis compartilham de seu poder. Um deles é Melk Tavares (Chico Diaz), seu fiel escudeiro, desde o dia da batalha final pela conquista de Ilhéus, até os dias de hoje. Outros como Jesuíno (José Wilker), Amâncio (Genézio de Barros), Coriolano (Ary Fontoura), Altino (Nelson Xavier), Manuel das Onças (Mauro Mendonça), Eustáquio (Lúcio Mauro) e Ribeirinho (Harildo Deda) também compartilham, não só da violência dos mandos, como na opinião irredutível: está bom como está, não tem precisão de mudar.
Mas o tempo altera o rumo das coisas, e mesmo a mais dura rocha, um dia sofre com a erosão. Os ventos trazem transformações, e com Ilhéus não será diferente. E, se é pelo mar que as tempestades costumam chegar por lá, é um navio que aporta em Ilhéus que traz a carga mais perigosa contra o conservadorismo que impera na região: Mundinho Falcão (Mateus Solano). Jovem descendente de uma forte família política em São Paulo, empreendedor milionário, chega do Rio de Janeiro com um propósito malquisto na cidade dos coronéis: o progresso.
Ganha rapidamente o posto de maior exportador de cacau da região e, tão veloz quanto sua fama, se torna o mais gigante oponente que Ramiro Bastos já teve em vida. Um ardiloso comerciante, orador nato, bonito por natureza, dono de elegância que vem de berço. E solteiro. Até as sinhazinhas já prometidas suspiram quando ele caminha com seus passos cuidadosos. A época das grandes emboscadas está por um fio com a presença galante de Mundinho. Ramiro terá que usar de outras armas para ganhar essa batalha contra a “imoralidade” trazida por esse “um” da capital. Mas não será fácil. Mundinho é um sedutor nato.
O símbolo mais emblemático da luta entre o conservadorismo de Coronel Ramiro Bastos e o progresso de Mundinho Falcão é a promessa da grande obra no porto de Ilhéus. Lá, os navios encalham, o que faz com que a exportação do cacau esteja totalmente nas mãos dos governantes da Bahia, a capital hoje conhecida por Salvador. Mundinho quer ver a economia de Ilhéus livre, e Ramiro, como intendente da cidade, deve muito ao governo baiano, e se opõe veementemente contra mais essa “liberdade”. Mundinho então decide não negar seu sangue e entra de vez para política. Será “a” oposição ao forte coronelismo local. Um briga de foice, instigada ainda mais pelo nascer de seu amor por Jerusa (Luiza Valdetaro), a neta preciosa de Ramiro Bastos.
ROMEU E JULIETA DOS TEMPOS QUASE MODERNOS
Foi uma ideia e nada mais. Um dos coronéis, Altino Brandão (Nelson Xavier), o primeiro a virar casaca e se aliar a Mundinho Falcão, é quem, numa conversa falsamente despretensiosa, planta a semente de uma poderosa união: “Não precisa brigar com o coronel, é só unir-se a ele. Ele tem uma neta, chama-se Jerusa. Conheça a moça”. E assim, como quem não sabe das coisas, é que Mundinho vai se aproximar de Jerusa. Mas não contava com as artimanhas do destino. Um coração fisgado, dois apaixonados.
Jerusa é filha de Alfredo Bastos (Bertrand Duarte), filho de Ramiro Bastos, um médico de pouca expressão, do qual o pai fez deputado; e de Conceição (Vera Zimmermann), a típica sinhazinha do cacau, altiva e orgulha. Entretanto, vem de seu avô a proteção maior. Já tem futuro pronto para Jerusa, sua joia preciosa. A neta herdeira dos Bastos já está prometida para Juvenal (Marco Pigossi), filho de Coronel Amâncio (Genézio de Barros), um de seus melhores amigos.
Saber disso é o que mais lhe aperta o peito quando conhece Mundinho e vislumbra seu destino. Os dois sabem: Mesmo que a bela Jerusa já não tivesse sua mão prometida, Mundinho Falcão, de todos os homens do mundo, seria o último que Ramiro aprovaria para sua neta predileta. Ele sabe. Ela sabe. Nasce então, um amor proibido, encontros às ocultas e muito romantismo.
TONICO BASTOS, UM IRRESISTÍVEL MAU-CARÁTER
Tonico (Marcelo Serrado), filho de coronel Ramiro Bastos (Antonio Fagundes), ganhou um cartório para se ocupar. É casado com a ciumenta Olga Bastos (Fabiana Karla), com quem tem quatro filhos. É tão escorregadio que consegue fazer com que Olga esteja sempre a defendê-lo. Ela tem certeza de que ele é um santo, mas muito desejado por todas as mulheres que chegam por perto. Entretanto, Tonico é um grande mulherengo, vive atrás de um rabo de saia. Mas é esperto, faz cara de coitado perto da mulher.
Frequentador assíduo do Bataclan, onde tem suas preferidas, mas não deixa de olhar para todas as outras, está sempre muito sorridente, muito amigo, mas é completamente sem escrúpulos. Tonico é mais um que passa a frequentar o bar Vesúvio, de Nacib (Humberto Martins), na hora do almoço. É a oportunidade de ver Gabriela (Juliana Paes). Ela traz os quitutes que faz para Seu Nacib vender no bar. A pedido da moça é ela quem serve a freguesia, que não se sabe bem ao certo o porquê, aumentou consideravelmente depois da chegada de Gabriela à cozinha. Deve ser o sabor da comida, pensa ela.
Esse é o momento mais esperado por todos os homens da cidade. A ida e vinda de Gabriela. A retirante de curvas acentuadas deslizando por entre as cadeiras do bar, debruçando sob uma mesa e outra. É nessa hora que Tonico, quando Nacib não vê, passa a mão nas costas de Gabriela, beija o pescoço dela. Ela faz que não vê. E é ele, o próprio Tonico Bastos que põe na cabeça de Nacib que ele precisa casar com ela. Um tesouro assim, não pode ficar desfilando na cidade sozinha. Há de se tê-la em casa, sob julgo do casamento, só para Nacib, sem deixar Gabriela para mais ninguém.
“Precisa, não. Tá bom como tá. Precisa casá, não, seu Nacib”, a frase de Gabriela em resposta ao pedido de casamento é taxativa. Não precisava. Mas Nacib quis. Ouviu Tonico e seus ciúmes.
O amigo de Nacib, então, torna-se o padrinho do casório E é assim que Tonico consegue se deitar na cama dela. Ou melhor, na cama do casal. O árabe não acredita no que vê. Seu amigo e o maior amor de sua vida, juntos, na mesma cama. Empunha uma arma, quer atirar, mas não consegue. Ama sua Bié demais da conta. A moral da época manda. Precisa atirar. Mas ele não consegue. Tonico livra sua pele, mas há de ter implicação.
Nacib anula o casamento. Nessa época não podia, mas como Gabriela nem documento tinha, ele volta rapidamente a ser solteiro, comerciante e dono do bar Vesúvio.
E Gabriela volta a ser Gabriela. Sente alívio por poder voltar a sorrir sem culpa, pé no chinelo, vestido sem moda e flor no cabelo. Mas a saudade é imensa, dos dois lados. Será que vão aguentar?
SINHAZINHA, O EXEMPLO PARA A SOCIEDADE
Com os casamentos arranjados, não havia como Sinhazinha (Maitê Proença) fugir do seu destino, muitas vezes, cruel. E assim foi com - ela, casou-se com coronel Jesuino (José Wilker), um dos mais broncos e duros dos coronéis. É tratada com frieza, não sabe o que é amor. Nunca foi beijada, não sabe o que é sentir prazer. É devota fervorosa de São Sebastião. Dona Sinhazinha é um exemplo para a sociedade. Sempre muito bem vestida, sempre muito bem educada. Um das principais ajudantes de Padre Cecílio (Frank Menezes).
Um dia precisa ir ao dentista e conhece Dr° Osmundo (Erik Marmo). Durante o tratamento dentário, conversam e se conhecem cada vez mais. Osmundo se encanta com a candura de Sinhazinha e não entende como pode conseguir viver ao lado de um homem tão bruto e grosseiro quanto Jesúíno. Ela, por sua vez, se apaixona perdidamente pela sensibilidade de Osmundo. Vivem, então, um romance perigoso, cheio de emoções e angústias. Os poucos momentos que estão juntos são os mais felizes desse mundo. Uma contradição com a vida diária de Dona Sinhazinha. O burburinho na cidade aumenta. Todos já desconfiam. Sinhazinha está mais bonita, mais mulher.
Eis que Jesuíno vê o flagrante e resolve dar fim a essa pouca vergonha. Faz o que deveria ser feito. E comete um crime que irá definitivamente dividir a cidade. Até então, todas as traições acabam assim. E o marido traído nem sequer é questionado. Continua livre e casa novamente se for de seu interesse. Mas dessa vez os tempos são outros e Osmundo é filho de gente importante na capital da Bahia. Sua rica família irá lutar pelo direito de ver atrás das grandes o grande assassino.
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